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25.4.13

#59 - Ressaca


Foto de Gabriel Ferri Anca

Foi difícil redescobrir o caminho de volta pra casa. O caminho mais duro. Voltar sem ninguém ao meu lado, à beira de um mar de incertezas. No outro dia senti vontade de ficar sozinho. Ninguém entendia que eu precisava de solidão.

A manhã foi cinza, nublada, sem nada que despertasse a atenção. Uma manhã de fumaça e destruição. O coração ainda sofria a ressaca de um terremoto, cuspia as lavas de um vulcão sem data para cessar.

Tudo remetia a lembranças. Tudo permaneceu do jeito que ela deixou quando saiu, não toquei em nada, podia reviver naqueles detalhes a sua presença. O marca página dentro do livro, a fruteira em cima da mesa, o porta-retratos no criado-mudo, o urso de pelúcia que ela me deu no dia dos namorados.

Em casa ou pela janela, tudo tinha uma marca. No meu mundo, tudo tem a marca dela. Construímos isso juntos, e agora ela me deixou com as lembranças. Essas que tenho medo de perder com o tempo: lembranças da rotina, do contato, de seu corpo gelado, seus beijos, abraços e perfume.

Andava de um lado para o outro, não tinha rumo, não tinha perspectiva, não sabia o que seria da minha vida. Travei no tempo. Agarrei o seu travesseiro ainda ali sobre a cama. Vivi uma eternidade abraçado a ele, naqueles fios de cabelo, no cheiro ainda impregnado, revivi você em mim, mesmo há só um dia longe.

O relógio é inimigo das lembranças: quanto mais o tempo passa, mais elas se esvaem, ficam longe do alcance de quem mais precisa. O tempo não para, somos nós que paramos sem saber como seguir.

Tentei colocar uma música, mas era do silêncio que eu precisava. É a hora em que todas as músicas, todas as letras fazem um sentido e trazem junto a dor. Silêncio.

O dia depois do fim, ou do possível fim, sempre é de reconstrução, readaptação, recomeço. É não saber direito onde estamos e lidar como se tudo estivesse começando outra vez. O amor nos faz renascer a cada nova história. Mas eu não quis renascer, preferi deixar tudo como está.

A aliança está no dedo. Suas fotos continuam no mural, e o envelope que me deu ao partir continua fechado. 

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