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23.5.13

#31 - A memória se desfaz

Ivan Ovchinnikov - Russia


Voltei ao ateliê. Ela tocava uma música no piano e não me percebeu entrando. Tocava tão bem.

- Você nunca tocou piano, como é que agora está tocando tão bem?

- Eu aprendi, oras. O tempo passa. Mas não é só o tempo, existe outra coisa nisso tudo.

- A saudade dói tanto. Olha pra mim?

- Não, não vou olhar. Você precisa respeitar as coisas, eu já disse.

- Eu estou respeitando.

- Mas precisa ainda mais. Passar por momentos difíceis significa amadurecer. Não pense que não está doendo em mim.

- Você não me deu resposta quando partiu, e eu acreditei apenas no nosso amor. Eu confiei em você.

- E deixou de acreditar? Continue confiando.

- A memória vai embora aos poucos e eu tenho medo de tudo que se desfaz. Um medo tão forte. É tão ruim deixar você ir embora pelas lembranças.

- Tudo se desfaz propositalmente. O tempo não engana ninguém.

- Mas eu não quero deixar ele se desfazer. Desaprendi a viver sozinho.

- As lembranças são vertentes do tempo, saiba disso.

- A memória também.

- Eu terminei aquele quadro, amor.

Eu fui até o quadro e de imediato senti a profundidade da pintura na nossa história. Ela conseguiu atingir o meu ponto fraco. Esperanças bailavam em mim, em nós, até que ela começou a tocar uma música no piano. Aquelas notas fizeram com que eu embarcasse em outra dimensão da nossa história. 

(continua amanhã)

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